Democracia no Paraguai

Ivo M Theis (Santa, 20/06, http://www.clicrbs.com.br/jsc/sc/impressa/4,183,3805248,19902)

Imagem(Imagem: http://www.outraspalavras.net)

Quanto mais leio e ouço sobre o assunto, mais infundadas e inexplicáveis me parecem as razões que levaram o Congresso do vizinho Paraguai a afastar Fernando Lugo da presidência, na última sexta-feira, 22. Os fatos: o parlamento, dominado por “colorados”, concedeu a Lugo 24 horas para se defender (em duas) de sua suposta responsabilidade pela morte de 17 pessoas (e inúmeros feridos), em decorrência de um conflito entre policiais e sem-terras, ocorrido em Curuguaty, na sexta-feira anterior, 15. Os camponeses ocupavam uma área de 2 mil hectares pertencentes ao Estado. Um juiz e uma promotora ordenaram o despejo.

Alguns dos principais meios de comunicação brasileiros, para os quais o impeachment de Lugo pareceu tão normal quanto foi o de Collor, repercutem o que se poderia chamar de versão do diário ABC Color, principal jornal do Paraguai. Não é difícil descobrir que este hebdomadário e o grupo que o publica eram próximos (talvez, íntimos?) de Stroessner, que governou o país entre 1954 e 1989. A sustentação política, o ditador a teve da Asociación Nacional Republicana ou, simplesmente, Partido Colorado. Fundada em 1887, a agremiação só não esteve no poder entre 1904 e 1946. E de 2008 em diante, quando Fernando Lugo derrotou a candidata colorada Blanca Ovelar. Quem se der a um pouco mais de trabalho, descobrirá ainda que os 2 mil hectares ocupados pelos sem-terra eram reclamados por Blas Riquelme – por acaso, um ex-presidente do Partido Colorado. Consta que Riquelme seja dono de uma imensa fortuna, que inclui supermercados e propriedades, na cidade e no campo – inclusive, a fazenda Morombi… Não tão distante de Curuguaty. Aliás, no Paraguai, 85% das terras (algo como 30 milhões de hectares) são controlados por 2% de proprietários.

Tanto quanto se pode depreender das notícias, todos os 12 ministros de Relações Exteriores integrantes da União das Nações Sulamericanas (Unasul), preocupados com a ameaça à democracia, solidarizaram-se com o povo paraguaio – e, portanto, com o presidente afastado.

Desde a Guerra Grande (para os brasileiros, a Guerra do Paraguai), quando (contra Argentina, Brasil e Uruguai) perdeu mais de 300 mil pessoas, o país de Lugo tenta se reerguer. Como lográ-lo golpeando a vontade do povo? Como recuperar alguma dignidade sem democracia?

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